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Bioconto O Despertar - Texto autoral das estudantes Djullian Cristhina e Gabriela dos Santos

  • Djullian Cristhina e Gabriela dos Santos
  • 8 de set. de 2020
  • 5 min de leitura

Atualizado: 25 de nov. de 2020

O despertar foi escrito pelas estudantes Gabriela Santos e Djullian Cristhina. É um “bioconto”, um gênero que mistura ficção com histórias reais. As autoras buscaram trazer suas experiências ou de pessoas próximas para esse conto e realmente despertar os leitores!


“A Diana é você, é a sua melhor amiga, é sua irmã, sua mãe ou sua tia... A Diana é uma representação de todas nós, todas nós que crescemos nos odiando e que crescemos aprendendo a apagar nossa negritude.” - Djullian Cristhina, uma das autoras.



O DESPERTAR


Desde muito cedo, fui apresentada a um mundo onde eu não me enxergava. Durante a minha infância, assistia a desenhos e filmes nos quais as personagens nunca se pareciam comigo. Presenciei situações na escola, que me deixaram constrangida devido a comentários descaradamente racistas vindos de colegas influenciados por esse sistema.


Um dia, ao levar uma boneca de pele branca para a escola e dizer para minhas amigas que ela era minha filha, como falavam as crianças naquela época, uma delas disse que isso não fazia sentido algum, afinal, nossa cor era diferente. Esse foi o momento em que descobri a distinção entre a cor da nossa pele que existe na sociedade.


Eu sei que pessoas negras sofrem com situações como essa em todos os locais. Contudo, o ambiente estudantil sempre foi o mais complicado para mim. Estudar numa escola particular em um bairro nobre do Rio e morar em um lugar com pessoas não tão bem resolvidas economicamente contribuiu muito para a construção desse cenário. Mas, essa é a minha realidade, estudo em um colégio caro na Barra da Tijuca e moro na conturbada Cidade de Deus, onde lido diariamente com problemas relacionados à violência e segurança.


As pessoas que moram por aqui não entendem o porquê de a minha escola ser tão longe. Na verdade, eu só consigo me deslocar para outro bairro todo dia para estudar, devido o esforço dos meus pais. Minha mãe Dandara é uma microempreendedora, ela criou seu negócio, uma marcenaria, quando ainda estava grávida do meu irmão, visando a ter estabilidade financeira para cuidar de uma criança, ela e meu pai Joaquim, que largou o emprego para auxiliar minha mãe nessa jornada, eles trabalharam muito para o negócio gerar frutos. No início, as coisas foram bem difíceis para eles, mas hoje em dia, temos uma condição financeira bastante estável, o que possibilita minha educação de qualidade.


Meu pai não quer sair do bairro, apesar de termos condições para isso, ele diz que ama esse lugar. Já meu irmão William, que passou recentemente para faculdade de Direito, após completar dezoito anos de idade, sonha com o dia em que irá se mudar. Não sei o que pensar sobre isso, assim como meu pai, gosto do lugar, mas infelizmente a situação caótica do Rio de Janeiro faz com que eu me preocupe com a segurança e integridade da minha família. Além disso, talvez se eu fosse morar em outro lugar, os olhares preconceituosos que recebo quando digo que moro na ‘CDD’ não existiriam mais e não me sentiria mais como uma criminosa ao dizer onde moro...

A minha relação familiar sempre foi muito boa e aqui em casa, temos diversas tradições e

amamos comemorar aniversários, porém, o meu esse ano será um pouco diferente. Hoje, completo dezesseis anos, normalmente, eu não iria à escola e meus pais não abririam a marcenaria para aproveitar o dia comigo, mas tenho um teste de física e minha situação nessa matéria não está muito boa. Não consigo compreender o motivo pelo qual Newton criou aquelas insuportáveis leis. Por isso, preciso ir ao colégio.


Já na escola, um pouco antes de começar o teste, percebi um pequeno alvoroço na turma, nesse momento, vi que minha amiga Luana estava com um papelzinho na mão. Cheguei por trás dela e vi do que se tratava. Era uma lista onde os meninos elegeram as garotas mais bonitas da sala. Logo, percebi que meu nome estava em último lugar. Fiquei muito impactada com isso. Meus pais sempre me falaram sobre o quanto eu era bonita e eu acreditava neles. Ter outra visão foi chocante.


Luana vendo minha expressão tentou melhorar a situação dizendo que isso era bobagem, mas era fácil para ela dizer isso, afinal, ela estava em primeiro lugar nessa lista. Fiquei abalada, mas precisava tirar uma nota boa na prova, o que acho que não aconteceu, já que aquela lista atormentou meu dia inteiro. Não via a hora de chegar em casa e conversar com meus pais para receber um suporte familiar.


Na hora do jantar, contei a situação para meus pais e meu irmão, e recebi uma resposta surpreendente deles. Minha mãe disse que eu era sim bonita, mas que poderia me cuidar um pouco mais, talvez se alisasse meu cabelo crespo... não ficaria em último lugar na lista. Meu pai concordou com ela e William disse que sofria bastante na escola por ter uma pele retinta, porém, não se importava com isso, para ele era normal e apenas brincadeira.


As semanas se passaram e esses comentários ficaram em minha mente. Então, tomei a decisão de alisar meu cabelo. Eu amei o resultado e todos ao meu redor também, minhas amigas não paravam de elogiar e dizer que preferiam essa minha nova versão. Minha autoestima estava alta e eu estava me sentindo confiante.


Em uma conversa com a minha melhor amiga Duda, a outra menina negra da sala, revelei para ela que estava sentindo um crush por um menino da turma chamado Henrique, ele é um menino branco, que é considerado um dos meninos mais bonitos do colégio. Acho que o garoto é meio tímido, porque sempre evita falar comigo. Mas, tudo bem, talvez isso signifique que ele também goste de mim, e, por isso, sente vergonha de conversar.


Depois da conversa, minha amiga Duda disse que eu deveria ir com calma, porque conhecia o Henrique e para ela, nós éramos bastante diferentes. Porém, eu disse que estava com coragem para falar com ele, então, precisava tentar logo para não desistir, e que seria naquele mesmo dia após a aula.


Fiquei ansiosa e parecia que o dia não acabava.


Finalmente, o momento chegou, eu estava arrumando meu material para ter a tão esperada conversa, reparei que Henrique estava conversando com seus dois amigos inseparáveis. Porém, quando me aproximei, fiquei surpresa ao ouvir meu nome e parei para escutar a conversa, sem que me notassem. Um de seus amigos disse que eu estava bonita com o cabelo liso, contudo, Henrique discordou e disse que o cabelo não era meu e o que meu cabelo de verdade parecia uma vassoura.


Fiquei sem reação, estava paralisada e as lágrimas começaram a cair. Foi quando saí correndo. Por sorte, esbarrei com a professora de história Conceição, a única negra da escola. Ela, após, perceber meu choro ficou intrigada e me perguntou o que houve, contei toda situação e ela me aconselhou dizendo que eu não deveria dar ouvidos aqueles comentários que eram de cunho racista, ela disse que as falas eram bem problemáticas e que ía conversar com a direção sobre o comportamento de Henrique.


Após ir para casa, percebi que as falas realmente eram racistas e que Henrique não era uma boa pessoa. No outro dia, na escola, eu tive uma aula de história surpreendente. A professora Conceição iniciou dizendo que abordaria a importância do movimento negro ao longo da história. Ela me apresentou figuras importantes como Martin Luther King, Malcom X e Rosa Parks. Além disso, ela terminou a aula com referências de pessoas negras que estão fazendo a diferença e sendo inspiração hoje em dia, como é o caso das minhas cantoras preferidas Rihanna e Beyoncé.


No fim do dia, percebi que o problema nunca fui eu. Minha pele não é feia, meu cabelo não parece vassoura, meus traços são herança dos meus ancestrais e a minha cultura é muita valiosa. Mas a sociedade racista, fez com que eu pensasse o contrário disso por toda minha vida. Hoje, eu sei que ser negra é lindo e a minha negritude enriquece a minha história.



Podcast das autoras sobre o processo de criação do bioconto!




 
 
 

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